Se você anulou seu voto ou ou se absteve no primeiro turno, então agora tem a chance de salvar a Democracia Brasileira

Mark Hillary
7 min readOct 27, 2018

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Ninguém há de discordar que o sistema político brasileiro está caótico. O público tem a difícil escolha entre dois candidatos presidenciais, os quais, grande parte da população não gostaria que assumissem a liderança do país. De um lado, Fernando Haddad, um acadêmico representando o Partido dos Trabalhadores (PT), do outro, Jair Bolsonaro, um ex-militar do Exército, membro da Câmara dos Deputados, representando o Partido Social Liberal (PSL).

Ainda que seja impossível convencer os eleitores que ativamente já apoiam Haddad ou Bolsonaro, compartilho essa mensagem para os 29,12% dos brasileiros que se abstiveram de votar, anularam o seu voto, ou simplesmente votaram em outro candidato no primeiro turno eleitoral. Se você é um deles, saiba que tem a possibilidade de mudar o Brasil efetivamente no próximo final de semana, quando acontece o segundo turno, então peço que, por favor, considere os argumentos a seguir. Sua democracia depende da sua escolha.

Haddad representa um partido o qual muitos brasileiros acreditam estar para sempre corrompido pela prisão do ex-presidente Lula e o impeachment de sua sucessora, presidente Dilma. Bolsonaro, depois de quase três décadas de carreira política, se apresenta como um agente de ruptura — a escolha perfeita para aqueles que desejam implodir o sistema atual. A mídia internacional apelidou Bolsonaro como o Trump brasileiro, contudo, até mesmo Trump se adequou ao sistema político existente, se aliando ao Partido Republicano e expressando apoio aos seus candidatos nas eleições intermediárias americanas que acontecerão no mês de Novembro.

A escolha aqui, é bem mais drástica do que aquela a ser enfrentada pelos eleitores americanos. O Brasil se depara literalmente com um futuro antidemocrático, onde as reais opções são escolher um partido político ou o retorno ao militarismo. A jovem e frágil democracia brasileira da atualidade, apenas iniciou-se em 1985, quando o golpe militar de 1964 terminou, resultando nas eleições presidenciais de 1989. Pela primeira vez, desde então, corremos o risco de presenciar a extinção do sistema democrático brasileiro, antes mesmo de podermos celebrar o seu 30º aniversário.

Como sempre, o povo exige mudanças. Após décadas observando o desenvolvimento moroso da democracia representativa, a corrupção inerente de um sistema político onde dezenas de partidos políticos trocam favores entre si, os eleitores estão cansados de políticos que não representam suas visões e interesses, além de se beneficiarem individual e pessoalmente de seus cargos públicos. Políticos — que assumem o compromisso de representar o eleitorado — mas presenteiam a si próprios com bônus e ajustes salariais exorbitantes, viajam de primeira classe, ignoram completamente a grande parcela dos brasileiros que sobrevive com um salário mínimo ou em condições de pobreza extrema, agem contra si próprios ao habitar um mundo completamente diferente da realidade de seus eleitores. Assim, torna-se impossível sustentar a ideia de representação, quando os representantes vivem de maneira tão distinta dos seus constituintes.

As investigações da Operação Lava-Jato revelaram lavagem de dinheiro, propinas, pagamentos ilegais em espécie realizados a diversos servidores públicos, indícios e provas de corrupção entre grandes instituições públicas e privadas, juntamente com os maiores partidos políticos e a mídia. Ainda, a habilidade do Judiciário de sustentar de maneira independente os pilares fundamentais da democracia, tem sido fortemente questionada. Quando os juízes passam a deferir de forma parcial, baseados em motivações políticas, sendo corruptíveis, então quem há de julgar o judiciário?

É fácil compreender porque tantos brasileiros querem uma ruptura. Se a mídia, os juízes e os políticos estão todos a se aproveitar desse desespero coletivo, então o nacionalismo e os chavões de Bolsonaro podem parecer atrativos, porém, equivocadamente, pois apesar do quão fortemente a atual conjuntura política é rejeitada, ele certamente impedirá qualquer possibilidade de mudança positiva e efetiva.

O PT pode ter sido destruído sua imagem, mas a escolha de Fernando Haddad representa um rompimento com o passado. De certa forma, há muitos motivos que nos levam a afirmar que felizmente o partido foi impedido de avançar com a candidatura do presidente Lula. Ainda que ele mantenha sua popularidade entre diversos apoiadores do PT, seria improvável que o partido conseguisse reivindicar um posicionamento diferente e a evolução para um futuro idôneo, caso Lula permanecesse como o líder. No seu antigo cargo como prefeito de São Paulo, Haddad quebrou algumas tradições políticas, incluindo a abertura total — e de fato transparente — das contas municipais a todos os contribuintes, além de outros feitos como o premiado Plano Diretor Estratégico. Imagine tudo isso sendo implementado em esfera federal?

Este conflito no Brasil espelha situações semelhantes ao redor do mundo, onde cidadãos, cansados do tradicional debate democrático, demandam mudanças imediatas. A democracia caminha em marcha lenta. Quando radicais intervêm e dizem poder romper esse ciclo, rapidamente ganham apoio, em ambientes peculiares onde a corrupção foi normalizada e nada acontece efetivamente.

Isso subverte o funcionamento da maior parte das democracias liberais. A Janela de Overton descreve os tópicos que geralmente são tolerados no discurso político, muitas vezes denotando quais temas são aceitos por todos políticos e seus partidos, como por exemplo, o racismo é nocivo à sociedade assim como o crime, homens e mulheres merecem direitos iguais, e etc. Entretanto, Bolsonaro não conforma com os conceitos que tanto a esquerda ou a direita tradicionais consideram normais. Suas visões extremas sobre igualdade de gênero, homossexualidade, migração, raça, autoritarismo e militarismo, o caracterizam como uma exceção que descarta conceitos normalizados há décadas.

Regredir ao solipsismo nacionalista pode parecer atrativo, num mundo que se transforma rápida e ininterruptamente, seja através da construção de muralhas, da expressão do ódio e indignação por imigrantes que roubam oportunidades dos locais, ou através da adoção da bandeira remetendo à cultura nacional. Pare um momento para pensar a respeito dos desafios que todos nós enfrentamos atualmente. A proliferação nuclear, migração econômica em massa, a crise dos refugiados, o aquecimento global, a redefinição do trabalho trazida pela inteligência artificial e o crescimento do terrorismo. Nenhum dos principais problemas mundiais pode ser solucionado com a regressão ao passado, o hasteamento da bandeira e o canto do hino nacional.

Aqueles que vivem em democracias liberais tendem a acreditar que o governo sempre os manterá seguros. As forças armadas protegem o país de possíveis invasores. A polícia oferece proteção contra o crime, e os demais compatriotas compartilham do mesmo código moral que os permitem viver livres do medo e em harmonia. O Brasil realmente deseja se transformar numa nação onde há a cultura do medo e onde policiais são doutrinados por Bolsonaro a mostrar o seu valor, exterminando cada vez mais criminosos? Quem irá me ajudar se, uma noite escura qualquer, eu for confundido com um potencial criminoso, e a policiar me balear, apenas pelo equívoco de eu ter andado sozinho tarde da noite? O medo e a criminalidade não serão estancados ao encorajarmos que o estado os combata promovendo e financiando ainda mais violência.

O Brasil necessita de rupturas extremas. O sistema existente pode não ser a resposta, porém, a total aniquilação dos valores sociais não influenciará nenhum tipo de mudança positiva. Se você não votou, pois não queria ver o PT retornar à presidência, pondere tudo isso. Você pode discordar de Haddad e não querer que ele se torne presidente, mas ele lhe permitiria a chance de se expressar contrariamente ao seu mandato e seus feitos, assim como, não lhe tiraria o direito de votar em um novo candidato em quatro anos, e até mesmo, candidatar-se você mesmo a qualquer cargo público representativo.

Olhe ao redor do mundo e veja na verdade, em qual direção o totalitarismo está nos levando. Um jornalista saudita crítico ao seu governo, foi esquartejado na Turquia por ter expressado suas opiniões. O presidente Trump considera notícias falsas todos os artigos da mídia que examinam seus negócios pessoais, líderes de países como Rússia, Hungria e Polônia rejeitam os valores democráticos e se livram daqueles que criticam este comportamento. Você de fato consegue imaginar um Brasil em 2018 onde não seja possível criticar seus líderes?

Se você não votar, então estará apoiando Bolsonaro em sua campanha para extinguir o sistema livre e democrático existente no país. Mulheres deverão se preparar para assédios masculinos cada vez mais frequentes, a comunidade LGBT deve se preparar para a rejeição do seu estilo de vida e valores pessoais, as pessoas que não são brancas ou abastadas devem se preparar para viver sob a constante suspeita da classe policial que é encorajada a atirar primeiro e interrogar depois. A liberdade de viver sem medo será improvável para uma vasta parte da sociedade. Como resposta, os bem-afortunados vão construir muros mais altos e comprar sistemas de segurança mais modernos — quem, de verdade, se beneficia numa sociedade como esta?

Mesmo que você odeie o PT, Lula, Dilma e Haddad, considere abstrair desse sentimento, para que tenha chance de escolher um candidato que realmente lhe agrada nas eleições futuras. Se você ignorar seu direito de voto neste segundo turno, talvez você não tenha tão cedo nova oportunidade de votar — a ditadura durou mais de duas décadas. Você quer esperar 2040 chegar para que seja permitido votar novamente?

Em 1947, o líder britânico durante a guerra, Winston Churchill, disse: “Ninguém finge que a democracia é perfeita e integralmente sábia. Na realidade, a democracia é a pior forma de governo, exceto quando comparada às demais tentativas executadas de tempos em tempos…” Você pode odiar sua democracia, mas o Brasil ainda é democrático e você tem a chance de salvá-lo. Compartilhe essa mensagem e vote agora, para que você possa votar novamente.

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Mark Hillary

I'm a British writer and blogger based in Brazil. I write books, journalism, and I'm a ghostwriter for execs #contentmarketing #socmed insta: @markhillary